sábado, 13 de setembro de 2008

Breve Histórico dos Direitos Humanos

Lafer localiza as origens dos Direitos Humanos nas tradições judaico-cristã e estóica da civilização ocidental. Tais tradições afirmam o valor, a dignidade de cada ser humano, o ser humano como valor-fonte, seja por ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, seja por ser cidadão da cosmo-polis (o mundo é uma única cidade em que todos são amigos e iguais). Exemplo prático disso era a proteção jurídica conferida pelo jus gentium romano aos estrangeiros. Desenvolveu-se assim a mais que milenar crença ocidental no Direito Natural, um conjunto de normas jurídico-morais de natureza divina inerentes a cada ser humano, perante as quais poder-se-ia julgar o direito positivo como justo ou injusto.

Já no início Era Moderna (sécs. XVI e XVII), o Direito Natural foi racionalizado e seu fundamento divino foi substituído pela Razão, o elemento comum a todos os seres humanos. Na mesma época, as Reformas protestantes levaram a uma cisão profunda na Cristandade Ocidental que, somada ao processo de consolidação dos Estados-nacionais, engendrou inúmeros conflitos sangrentos, os quais levaram eventualmente ao reconhecimento da liberdade individual de crença religiosa. O instrumento jurídico que instituiu esses novos princípios organizadores da política européia foi o Tratado de Vestfália, de 1648, que encerrou a Guerra dos 30 Anos e garantiu a igualdade de direitos entre as comunidades cristãs católica e protestante no território alemão. Pode, por isso, ser considerado um dos primeiros instrumentos internacionais com medidas de proteção aos direitos humanos.

A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, votada pela Assembléia Nacional Constituinte francesa em 26 de Agosto de 1789 visava assinalar princípios que, inspirados no Iluminismo, iriam fundar a nova constituição francesa. Interpretações marxistas dizem que esse propósito foi defendido visando assegurar para a burguesia, no contexto de uma sociedade de classes, o direito inalienável de propriedade, com base no racionalismo e no liberalismo.

A crítica política e filosófica racionalista e a ascensão econômica da classe burguesa levaram a um período de revoluções contra os regimes absolutistas e contra a organização hierárquica das sociedades. As revoluções levadas a cabo na busca pela igualdade dos indivíduos, extinguiram a divisão em estamentos, instituindo o status único da cidadania – categoria que Arendt entendo como sendo o “direito a ter direitos” – para todos os indivíduos. Em troca dos privilégios que o status conferia, foram positivados os direitos naturais nas constituições pós-revolucionárias. Os direitos fundamentais então declarados constituem a primeira geração de direitos humanos.

A segunda geração de Direitos Humanos, de direitos econômicos, sociais e culturais, foi reivindicada ao longo do século XIX, pelos movimentos proletários socialistas. Só foi, contudo, positivada no início do século XX, pelas constituições revolucionárias mexicana e russa, bem como na da República de Weimar. Na medida em que, a partir da Europa, o sistema internacional vestfaliano foi-se consolidando, passou-se a identificar o Estado com a Nação, dando ensejo à formação de Estados-nações (Lafer, 1988: 135). Por meio das expansões imperialistas, generalizou-se o critério nacional e o território e a população do planeta acabaram divididos em Estados nacionais ou em impérios coloniais centrados num Estado nacional. A concomitante expansão do liberalismo fez com que boa parte dos novos Estados adotassem constituições que reconheciam direitos fundamentais (Lafer, 1988: 137 e 138). Nesse sistema, a proteção internacional dos Direitos Humanos se dava pelas vias diplomáticas, por meio das quais cada Estado procurava zelar pelos direitos de seus cidadãos onde quer que eles se encontrassem.

O sistema diplomático de proteção aos direitos humanos começou a ruir com a crise mundial da primeira metade do século XX. As duas Grandes Guerras geraram um gigantesco contingente de refugiados, apátridas e minorias que simplesmente não se encaixavam no sistema internacional, na trindade “Estado-Povo-Território” (Lafer, 1988: 139). Sua simples presença em algum país já era uma violação da lei, o que levou, segundo Lafer, ao Estado policial, em prejuízo também dos seus nacionais (1988: 139 e 149). Hannah Arendt identifica nesse fenômeno um dos mais importantes ingredientes para o surgimento do totalitarismo. A ruptura totalitária se dá justamente quando essas pessoas destituídas de cidadania, de direito a ter direitos, tornam-se supérfluas, subvertendo o princípio da dignidade de cada ser humano subjacente aos ordenamentos moral e jurídico do Ocidente.

Essa ruptura e a tragédia dela decorrente acarretaram a substituição do sistema de proteção diplomática dos direitos humanos por uma proteção internacional que tutelasse os direitos dos indivíduos independentemente de serem nacionais de qualquer Estado (idem: 154). Essa substituição pode ser interpretada como uma de tentativa superar os paradoxos evidenciados pela ruptura. O primeiro deles é de que um princípio jurídico universal – a proteção dos direitos humanos – dependia de um elemento contigente – a cidadania. O segundo é o de que o ser humano nu, privado de suas qualidades acidentais – a cidadania –, “vê-se privado de sua substância, vale dizer: tornado pura substância, perde a sua qualidade substancial, que é de ser tratado pelos outros como um semelhante”. Por isso, após a 2a. Guerra Mundial, o Direito Internacional Público reagiu procurando minimizar os efeitos da condição de apátrida e refugiado, principalmente, buscando evitar tal situação. Isso foi feito por meio da elaboração de instrumentos jurídicos multilaterais que tutelam a apatridia e o status de refugiado e prevêem a cidadania como um direito humano , mas também, e mais importante, pela formação de um sistema completo de proteção dos direitos humanos que fosse aplicável a todos seres humanos enquanto tais, independentemente de sua condição ou não de nacional de algum Estado.

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