quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Escravidão punida em Níger

Sebastiaan Gottlieb*
30-10-2008
Uma mulher que enfrentou a escravidão durante metade de sua vida ganhou uma batalha legal com as autoridades de Níger. Esta nação do oeste africano deve pagar mais de 15 mil euros pelos prejuízos à vítima e melhorar a proteção às pessoas contra a o trabalho forçado sem remuneração.
O veredicto dado pela Corte da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Ecowas, em inglês) é considerado um grande avanço na luta contra a escravidão. Segundo estimativas, somente em Níger, 40 mil pessoas continuam escravizadas.
O caso contra Níger foi apresentado por Hadijatou Mani, que, aos doze anos, foi vendida como escrava por aproximadamente 300 euros. Durante dez anos, Mani trabalhou na casa e na roça da pessoa que a comprou sem receber pagamentos. Ela ainda sofreu abuso sexual por parte de seu "dono", de quem teve três filhos.
Trabalho escravo Como a escravidão está oficialmente proibida em Níger desde 1999, o "dono" de Mani queria casar-se com ela, que recusou. A pesquisadora da Universidade de Leiden, na Holanda, Lotte Pelckmans, que estuda a escravidão na África, diz que esse tipo de servidão pode ter diversas formas.
Para Pelckmans, a escravidão no continente africano envolve muitos aspectos. Entre os povos nômades Tuaregue e Tamashek, por exemplo, há escravos para o trabalho doméstico. Vivem com famílias de ascendência nobre e fazem todas as tarefas domésticas, que são mais pesadas do que as do campo.
Legislação dúbiaEm 2005, Mani foi oficialmente colocada em liberdade por seu "proprietário", mas a legislação tradicional do país a obrigava a ficar com ele como sua esposa legal. Apesar disso, Mani conseguiu sucesso ao apresentar a denúncia contra seu antigo "dono", pois o juiz determinou não haver matrimônio sem o consentimento de uma das partes.
Seu antigo "dono" apelou da sentença quando a ex-escrava decidiu se casar com outro homem. A suprema corte deu ganho de causa ao antigo escravagista, que acusou Mani de bigamia. Ela foi então condenada a seis meses de prisão e a pagar uma multa de 120 dólares (cerca de 93 euros).
Mani levou seu caso ao tribunal criminal da Ecowas, que controla o cumprimento da Carta Africana dos Direitos Humanos. Ela denunciou o Estado de Níger pelo descumprimento da lei contra a escravidão.
DificuldadesLotte Pelkmans reconhece que a abolição legal da escravidão na África sempre tem esbarrado em dificuldades. "Um exemplo é a Mauritânia, onde a escravidão já foi abolida quatro vezes, o que demonstra o descumprimento da lei", afirma.
Para a especialista da Universidade de Leiden, a diferença agora é que Mani é a primeira a levar seu caso à corte da Ecowas. Por isso, segundo Pelkmans, o veredicto anunciado nessa semana é de vital importância. "A sentença demonstra a consciência do direito à própria vida sem depender dos outros, o que não é fácil, pois há ainda a escravidão mental a enfrentar. Muitos continuam acreditando que são de uma classe humana mais baixa, que não têm direito de protestar, criticar, exigir", explica a especialista holandesa.
Mesmo quando as pessoas conseguem se libertar psicologicamente da dependência do "dono", elas continuam enfrentando dificuldades financeiras para levar a vida em frente. Mani disse estar muito contente por ter o reconhecimento da liberdade. Com o dinheiro da indenização quer comprar uma casa e alguma terra para garantir o sustento da família.
A decisão da Ecowas no caso de Mani beneficia a todos os estados-membros. Países vizinhos de Níger também deixam muito a desejar quando o assunto é o combate à escravidão.
Ecowas A Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Ecowas) foi fundada em 1975. Conta com 15 países-membros: Benin, Burkina Fasso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné Bissau, Guiné, Libéria, Máli, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, e Togo

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