sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Relatos de estupro forçam mudanças no Congo

Taxa de estupro na República Democrática do Congo é uma das mais altas.Cortes móveis estão realizando julgamentos em vilas no meio da selva.

Jeffrey Gettleman Do 'New York Times'


Honorata Kizende olhou para a platéia e começou com uma simples declaração.
“Não havia jantar,” disse ela. “Eu era o jantar. Eu, porque eles me chutaram duramente para o chão, arrancaram todas minhas roupas, e entre os dois, seguraram meus pés. Um pegou meu pé esquerdo, o outro o direito. Então todos os cinco me estupraram.”

A platéia, que havia sido convocada por grupos de apoio internacionais e locais e incluía desde políticos importantes até garotos de rua sem calçados, olhou para ela em descrença.

A República Democrática do Congo, ao que parece, está finalmente encarando seu terrível problema relacionado aos estupros, que oficiais da ONU chamaram de 'a pior violência sexual em todo o mundo'.

Dezenas de milhares de mulheres, possivelmente centenas de milhares, foram estupradas nos últimos anos nesta terra montanhosa e estranhamente bonita.

E muitos desses estupros foram marcados por um nível de brutalidade chocante, até mesmo para os distorcidos padrões de um local assombrado por senhores da guerra e soldados infantis entupidos de drogas.


Após anos de negação e vergonha, o silêncio está sendo quebrado. Graças a esforços de organizações internacionais e do governo congolês nos últimos nove meses, os estupradores não podem mais contar com uma cultura de impunidade. É claro, inúmeros homens ainda ficam impunes ao atacar mulheres. Mas um número cada vez maior está sendo capturado, julgado e colocado atrás das grades. Agências de ajuda estão gastando dezenas de milhões de dólares para construir novos tribunais e prisões ao longo do leste de Congo, em parte para punir estupradores. Cortes móveis estão realizando julgamentos de estupro em vilas no meio da selva, locais que não vêem um magistrado de túnica preta desde que os belgas governaram o país, décadas atrás.

A Associação Americana da Ordem dos Advogados abriu uma clínica legal em janeiro especificamente para ajudar vítimas de estupro a levar seus casos ao tribunal. Até agora o trabalho resultou em oito acusações. Aqui em Bukavu, uma das maiores cidades do país, uma unidade especial da polícia congolesa registrou 103 casos de estupro desde o início do ano, mais do que qualquer ano na memória recente.

Em Bunia, uma cidade mais ao norte, processos de estupro aumentaram 600% de cinco anos para cá. Investigadores congoleses chegaram a voar à Europa para aprender técnicas forenses avançadas para investigação de cena do crime. A polícia prendeu alguns dos agressores mais violentos, muitas vezes jovens milicianos, eles próprios traumatizados psicologicamente, que molestaram as mulheres com paus, pedras, facas e rifles. “Estamos começando a ver resultados,” disse Pernille Ironside, funcionário da ONU no leste do Congo.

O número dos capturados ainda é pequeno se comparado aos agressores soltos, e muitas vezes os piores escapam porque são saqueadores que atacam vilas à noite, abusam de mulheres e então desaparecem no interior da floresta. Isso tudo está acontecendo numa sociedade onde as mulheres tendem a ser espancadas de qualquer forma.

Mulheres congolesas fazem a maior parte do trabalho – em casa, nos campos e no mercado, onde carregam enormes pacotes de bananas em suas costas curvadas –, e mesmo assim são freqüentemente impotentes. Muitas mulheres estupradas são obrigadas a não dizer nada. Muitas vezes o estupro é uma vergonha para toda a família, e muitas vítimas foram expulsas de suas vilas e se tornaram pedintes.

Grupos rurais vêm tentando mudar essa cultura, e começaram encorajando mulheres que foram estupradas a falar em fóruns abertos, como uma sala de tribunal cheia de espectadores, apenas sem um acusado. No evento de Bukavu em meados de setembro, Kizende arrancou lágrimas – e ovações. Parece que o tabu contra falar sobre estupro está começando a se abrandar. Muitas mulheres na platéia usavam camisetas dizendo:

“Eu me recuso a ser estuprada. E você?” Dúzias de ativistas estão percorrendo vilas a pé e em bicicletas para levar uma simples mas importante mensagem: o estupro é errado.

Grupos de homens estão sendo formados. Mas essas melhorias são simplesmente as primeiras, tentativas em progresso num país extremamente conturbado.

Euphrasie Mirindi, vítima de estupro, está sendo ajudada por uma igreja local e diz que a segurança hoje é 'um pouco maior' (Foto: Jeffrey Gettleman/The New York Times)
Funcionários da ONU disseram que o número de estupros pareceu estar diminuindo ao longo do último ano.

Mas a recente onda de confrontos entre o governo congolês e grupos rebeldes, e toda a violência e depredação que os acompanha, está comprometendo esses ganhos. “Hoje está mais seguro do que antes,” disse Euphrasie Mirindi, estuprada em 2006. “Mas ainda não é seguro.” Pobreza, caos, doenças e guerra. Essas são as constantes no leste do Congo. Muitas pessoas acreditam que o problema dos estupros não será resolvido até que a área sinta o gosto da paz. Mas isso pode não acontecer muito brevemente.


Funcionários da ONU disseram que os estupros mais sádicos são cometidos por assassinos depravados que participaram do genocídio de 1994 em Ruanda, escapando em seguida para o Congo. Esses ataques deixaram milhares de mulheres com suas partes internas destruídas. Mas o Exército Nacional Congolês, uma força indisciplinada de tropas adolescentes que ostenta óculos escuros e rifles enferrujados, também tem sua parcela de culpa.

O governo foi lento para punir os seus, mas generais congoleses anunciaram recentemente que iriam preparar novos tribunais militares para processar soldados do governo acusados de estupro. Ninguém – médicos, trabalhadores de apoio, pesquisadores congoleses e ocidentais – pode explicar exatamente por que o problema dos estupros no Congo é o pior em todo o mundo.

Os ataques continuam apesar da presença da maior força de paz da ONU, com mais de 17.000 tropas. A impunidade é considerada um grande fator, e é por isso que hoje há tantos esforços no sentido de fortificar o corrupto sistema de justiça do Congo. O grande número de grupos armados espalhados por milhares de quilômetros de territórios com densas florestas, lutando pelos ricos espólios minerais do país, também dificulta incrivelmente a proteção aos civis. O governo congolês admite a falha, especialmente em manter as mulheres em segurança. “Todos os dias mulheres são estupradas,” disse Louis Leonce Muderhwa, governador da província de South Kivu.

“Isso não é paz.”

Ativistas de outros países têm chegado constantemente. Poucos são mais engajados que Eve Ensler, dramaturga americana que escreveu a peça “Os Monólogos da Vagina,” encenada em mais de 100 países. Ela veio ao Congo no mês passado para trabalhar com vítimas de estupro. “Passei os últimos dez anos de minha vida nas minas de estupro do mundo,” disse ela. “Mas nunca havia visto nada como isso.” Ela chama a situação de “femicídio,” uma campanha sistemática para destruir as mulheres.


Ensler está ajudando a abrir um centro em Bukavu chamado Cidade da Alegria, que oferecerá aconselhamento a vítimas de estupro além de ensinar habilidades de liderança e autodefesa. Sua esperança é montar um exército de sobreviventes do estupro que pressionarão com urgência – algo que tem faltado até agora – por uma solução para finalizar as intermináveis guerras no Congo. No evento do mês passado, muitas pessoas na platéia cobriram suas bocas enquanto ouviam. Algumas não conseguiram agüentar e saíram da sala, às lágrimas. Uma oradora, Claudine Mwabachizi, contou como foi raptada por bandidos na floresta, amarrada a uma árvore e repetidamente estuprada por muitos. Eles fizeram coisas indizíveis, segundo ela, como eviscerar uma mulher grávida bem na sua frente.

“Muitas de nós guardamos esses segredos,” disse ela. Ela estava indo a público, segundo disse, “para libertar minhas irmãs.”

Mas o Congo é uma terra de contrastes. O solo daqui é rico, mas o povo morre de fome. Os minerais são inesgotáveis, mas o governo está falido. Depois que o evento de depoimentos terminou, Mwabachizi disse estar exausta. Mas acrescentou, “Me sinto forte.” Ela havia sido presenteada com um xale rosa, com uma mensagem impressa. “Eu sobrevivi,” dizia. “Posso fazer qualquer coisa.”

2 comentários:

Alessandra Oliveira B. Silva disse...

Isso e lamentável espero um dia não muito distante não ler tal atrocidades

erica donato disse...

nossa, isso é mais que atrocidade, é absurdo, desumano....nojento...que raio de homens fazem isso???